A caixa misteriosa no ônibus lotado

Há cerca de um mês e meio, a norte-americana Anna Marsh iniciou um estágio voluntário no movimento Canteiros Coletivos através do programa Where There Be Dragons, da Universidade de Princeton, ao norte de Nova York, onde inicia a faculdade de engenharia ambiental em 2016. Sua agenda de atividades engloba três dias por semana na manutenção do berçário de mudas, sediado pelo espaço de rede colaborativa Casa Adubada, um encontro por semana com jovens do Gantois para ensinar inglês, uma visita por semana ao Parque Solar Boa Vista, contribuindo com ações de jardinagem do projeto Grid e com a manutenção do canteiro do qual cuidamos ao lado da querida Mell, além da participação em intervenções urbanas dos Canteiros Coletivos. A partir de hoje, até o mês de maio, suas experiências serão relatadas em português e inglês aqui no Portal, propondo também que ela pratique outro idioma e compartilhe suas impressões não só conosco, mas com os amigos e conhecidos dos Estados Unidos e de outros países.

Faça uma boa leitura!

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Diário de Anna Marsh – 14 de novembro de 2015

Hoje eu peguei um ônibus lotado carregando um balde cheio de ovos de minhoca. Protegidas sob uma tampa apertada, as minhocas não podiam ser vistas e sequer davam sinal de vida, mas eu me divertia a cada olhar curioso lançado sobre o misterioso recipiente em meus braços.

Eu voltava da Casa Aduba, nome do espaço que Thiago e Débora, meus mentores do movimento Canteiros Coletivos, criaram em sua moradia. A proposta é que artistas, escritores, ambientalistas, e outras pessoas interessadas em diferentes temas proponham conduzir uma oficina neste local. Aninhada entre dois edifícios numa rua que se encontra com uma das maiores avenidas comerciais de Salvador, a Joana Angélica, o pequeno lar térreo é relativamente escondido. Mas o seu espaçoso pátio, rodeado de bonitas plantas transbordantes e murais coloridos, causa uma espécie de fascinação, como se fosse um tesouro escondido. É redundante dizer, mas é um espaço maravilhoso para os soteropolitanos se reunirem e trocarem conhecimento.

Marcelo Alexandrino, um estudante de biologia, foi o primeiro a ministrar a primeira série de oficinas agendadas na Casa Adubada. Sua proposta foi a de montar minhocários — espécies de caixas ou baldes em que se jogam restos de alimentos e matéria orgânica seca para produzir adubo. Então, o balde de minhocas que eu carregava no ônibus foi minha atividade do dia: um sistema que vai se tornar o lar dos pequenos animais. A ideia era criar um espaço onde as minhocas pudessem comer restos de comida… E que pudesse processar seu cocô. Por quê? Porque o cocô das minhocas é incrivelmente fértil e valorizado pelos jardineiros que estão buscando impulsionar o crescimento de suas plantas.

O minhocário, feito de três baldes plásticos empilhados com orifícios que ligam um ao outro, servem como compartimentos de diferentes partes do processo. O balde de cima, que tem uma tampa, é para jogar cascas de banana, a borra de café, restos do almoço (entre outros alimentos, exceto os cítricos, ácidos ou restos de carne). Após jogar esses restos, basta pegar o dobro dessa quantidade em resíduos secos à base de materiais de carbono (como folhas secas, cascas de árvore ou fibra de coco) e cobrir a matéria orgânica molhada. As minhoquinhas, localizadas no balde do meio, vão sentir o cheiro do delicioso banquete e vão rastejar até o primeiro balde, atravessando os furinhos de sua base. Depois de uma boa refeição, elas fazem seu ”trabalho”, produzindo dia após dia um volume de cocô suficiente para adubar as plantas de um quintal. O chorume, líquido produzido na decomposição dos alimentos, vai pingar do primeiro balde para o segundo, e do segundo (que também tem furos na base) para o terceiro, até que, em uma quantidade razoável, possa ser retirado através de uma pequena torneira e servir de adubo ao ser diluído com água. As plantas vão sorrir.

Desperdiçar restos de comida é um grande fator que contribui para a mudança climática global, especialmente nos países industrializados. Nos EUA, cerca de 30 a 40% da oferta de alimentos é desperdiçada, equivalente a mais de 20 toneladas de comida por pessoa, por mês. No Brasil, dois terços do resíduo nacional é orgânico.

Por tudo isso, fazer um minhocário é uma ótima maneira de fechar o ciclo orgânico e redirecionar nutrientes valiosos. Além disso, ouvi falar que as pequenas criaturas viscosas são ótimos animais de estimação.